NOS TRILHOS DE VERA CRUZ | EM DIRETO - DIA 8


O CAFÉ DA MANHÃ DA BAIANA

Com uma noite, apesar de curta, mas bem dormida, tomamos o pequeno almoço no hotel e mais uma vez dirigimo-nos ao páteo traseiro, onde está uma espécie de jardim vertical tropical e uma pequena piscina, e onde se pode tomar o "café da manhã".

Se o hotel é bom, o pequeno almoço, é igualmente bom e bonito. Servido à mesa por simpáticos empregados e por uma cozinheira vestida de baiana, num agradável pátio exterior com plantas e decoração colonial, tudo vai surgindo a um ritmo certeiro e com os sabores apurados.

Pãesinhos diversos, queijos e compotas, patés e doces, bolos e frutas, sumos naturais ou ovos, tudo é preparado na hora para cada um dos hóspedes, no entanto, esta preparação é tão eficiente que surpreende e faz com que tudo esteja na mesa no tempo certo, como se este serviço de mesa personalizado se tratasse de uma harmoniosa sinfonia gastronómica.

É um dos melhores pequenos almoços que comemos até agora e faz com que comecemos logo bem o dia.


A SANTA CASA DA BAÍA

Por recomendação do nosso amigo miguel, começamos o dia no Museu da Santa Casa da Baía, para conhecermos melhor a história desta cidade de Salvador.

A poucos minutos a pé do hotel, em pleno centro histórico, está um edifício do século XVII, com igreja e convento, que foi o primeiro hospital de todo o Brasil. É exactamente aqui, na sede colonial da antiga Santa Casa da Misericórida de Salvador que se ficamos a conhecer algumas das mais curiosas histórias da cidade. Dos seus provedores aos benfeitores, das suas missões às doações que foram feitas ao longo dos sécuos, tudo este museu mostra e assim começamos o dia com excepcionais vistas sobre a Baía de Todos os Santos (pois este palácio situa-se mesmo na beira do morro da cidade velha) e uma lição de história sobre Salvador.

Esta é uma visita simples e rápida e que ensina muito sobre Salvador e esta cultura baiana.



O MERCADO DE SÃO JOAQUIM

Depois de visitarmos o Museu da Santa Casa da Baía, apanhámos um Uber e fomos até à zona portuária e descemos no popular Mercado de São Joaquim.

Este mercaco é o mercado abastecedor da população da cidade, em tudo o que ela pode precisar na sua vida quotidiana. Fruta, vegetais, carne e peixe são produtos óbvios, mas este mercado surpreende pois também tem carne seca (o cheiro desta secção sente-se a centenas de metros), marisco vivo, temperos, farinhas (de mandioca, mas não só) e conservas, bebidas e doces, mas também roupa, sapatos, panelas, vassouras, velas, objetos de candomblé e animais vivos (tipo cabras, carneiros, galinhas ou pombos, etc.). O mercado de São Joaquim é imenso, e pelo exotismo, extensão, cor e diversidade de produtos e odores, faz lembrar os bazares árabes.

Neste caso tudo tem uma cor e um visual muito brasileiro e baiano, mas a miríade de produtos é um absoluto encantamento para os sentidos. Mas resistimos e saímos sem comprar nada!



O MÍTICO SENHOR DO BOM FIM

Ao sairmos do Mercado de São Joaquim apanhámos um táxi (pois não há wifi que nos permita chamar um Uber) e vamos até ao nosso próximo destino no programa de hoje: a mítica basílica do Senhor do Bomfim.

Mandada construir por um capitão português para pagar uma promessa que este fez, que dizia que se sobrevivesse a uma tempestade que enfrentou no Atlântico mandava construir uma igreja na primeira terra que aportasse, esta basílica é conhecida pela sua capacidade milagreira e como tal pela sua tradição de pedidos de crentes e devotos.

Nesta igreja (ao contrário das do centro histórico) não se tem de pagar para visitar a igreja ... mas se se quiser visitar o museu e subir à torre, aqui sim já é preciso pagar (e ao contrário das principais do centro, também não aceitam cartão de crédito). Como nos explicou a guia que nos conduziu na visita ao museu da basílica, a própria igreja é fruto de uma promessa, por isso esta basílica ficou para sempre associada a promessas e a pedidos.

Ora é desta tradição de pedidos e devotos que surgem as famosas fitas do Senhor do Bomfim, mas que a tradição manda serem compradas aqui e quando o desejo correspondente se realizar, se ofereça a fita para Iemanjá (a Orichá do Mar).

Este é um exemplo de como a cultura baiana cruza a herança branca portuguesa, com a cultura negra africana. Este cruzamento está presente em tudo e é isso mesmo que vamos provar a seguir ... pois o almoço é a nossa próxima paragem.




A MUQUECA DO LUA CHEIA

A apenas 7 minutos a pé do Senhor do Bomfim (que não são feitos por nenhum bairro perigoso, mas não tem presença policial) está o nosso restaurante de almoço de hoje: o Retiro da Lua Cheia.

Este restaurante é um pequeno jardim com um telheiro enorme e com uma impressionante vista sobre a Baía de Todos os Santos. Dos socalcos deste restaurante jardim, num dia limpo como hoje esteve, vê-se toda a baía, bem como as muitas ilhas que a povoam (que são mais de 300). Este espaço só pela vista de cortar a respiração já vale a pena visitar ... mas há mais encantos a seguir.

Este é um restaurante que só os locais frequentam. Apesar da sua proximidade com um dos locais mais turísticos de Salvador (a Basílica do Senhor do Bomfim), pela sua localização os turistas não vêm até cá. É por isso que este é um dos restaurantes mais espetacularmente autênticos que se pode encontrar em Salvador ... e tudo para comer a famosa Muqueca Baiana.

A Muqueca é um prato que tem raízes africanas trazidas pelos escravos que vieram de Angola no tempo das descobertas (sendo a sua irmã africana a Muamba), mas cuja receita foi mudada e adaptada aos ingredientes locais. Como é o prato especial da casa (aliás é o único na ementa, tem é mais de 10 variações), escolhemos a Muqueca de peixe siri. Contrariamente ao que se possa pensar, uma boa muqueca é saborosa, rica de sabores e leve, pois é na subtileza da sua confeção e do peso dos ingredientes (nomeadamente do óleo de dende) no resultado final, que está a mestria. E aqui, o Lua Cheia é inquestionável!

Deliciámo-nos, regozijámo-nos por esta sugestão que o nosso amigo Miguel nos deu na véspera, e pedimos a conta e chamámos o Uber, porque o dia de visitas ainda não acabou e outra instituição da cultura baiana nos agarda de seguida.




A CASA DO RIO VERMELHO

A Bahia e a sua capital Salvador, por causa de toda a sua herança portuguesa e a mistura desta com a cultura escrava africana, foi sempre berço de grandes intelectuais e artistas. Um dos seus maiores artistas viveu numa casa, em pleno bairro de Rio Vermelho, que decidimos visitar hoje a encerrar as nossas visitas do dia.

Assim sendo cruzamos a cidade do Bomfim até ao chique bairro e chegamos à casa on Jorge Amado e Zélia Gatai viveram. Assim que entramos na bilheteira, percebemos que estamos noutro universo. A casa foi o paraíso onde o prémio nobel da literatura brasileira (e o primeiro lusófono a receber esta honraria) e a sua mulher viveram a maior parte da sua vida e onde receberam toda uma complexa, completa, internacional e incrível corte de amigos que os visitou ao longo dos anos.

Mas o maior interesse desta visita está na forma como a visita à casa é feita. Depois de passar a portaria (cujos bilhetes podem ser pagos por cartão, obviamente, pois estamos num espaço museológico de qualidade internacional) percebemos que vamos visitar um universo intimista, onde convivemos de perto com a televisão do casal, a sua mobília, óculos de ver, frigorífico e fogão, biblioteca e cartas de amigos, ou até as famosas camisas de motivos tropicais que Jorge Amado tanto celebrizou.

É uma visita a uma verdadeira casa, que, graças à forma exímia como está iluminada e organizada a exposição ao longo da casa, nos transporta para um verdadeiro refúgio íntimo e único, belo e sereno, pessoal e intransmissível.

Esta foi a nossa última visita em Salvador, e foi talvez a que mais nos impressionou pela qualidade e pela sua sublime elegância e sofisticação.


A SALVADOR TRADICIONAL E CONTEMPORÂNEA

Depois da visita à Casa do Rio Vermelho, chamamos o Uber graças à simpatia de uma funcionária da casa, que nos disponibiliza a sua aplicação e nos explica que podemos pagar em dinheiro diretamente ao motorista (sim aqui a Uber dá para pagar em dinheiro ao motorista) e voltamos ao centro histórico.

Depois de uma batalha difícil para consegui levantar dinheiro no Banco do Brasil (pois só uma das oito máquinas disponíveis em frente ao nosso hotel, aceitava cartões internacionais ... e não estava sinalizada qual ... o que fez que tivéssemos eternidades para conseguir levantar dinheiro) fomos comprar os bilhetes do Theatro Miguel Santana, e fomos ver o espectáculo da Companhia de Folclore da Bahia, sugerido pelo nosso amigo Mark (o mesmo inglês que nos acompanhou no Pantanal e que coincidentemente também veio ao mesmo tempo para Salvador, e curiosamente ficou no mesmo hotel que nós).

O teatro é muito pequeno e o espectáculo é verdadeiramente autêntico e despretensioso. Para quem não vive na Bahia, é uma forma rápida e prática de ficar a conhecer as principais formas de dança baianas, desde a dança do Candomblé, passando pela Capoeira, e acabando no Samba. A companhia tem ainda o mérito de ter uma banda de música ao vivo e duas cantoras baianas, absolutamente excepcionais.

Melhor ainda foi perceber que o seu corpo de bailarinos é composto por antigos miúdos de rua que foram resgatados das ruas e ensinados a dançar estas coreografias tão tradicionais da sua própria cultura.

Gostámos, aplaudimos e saímos satisfeitos, quer com o espectáculo em si, quer com a oportunidade de testemunhar e apoiar (com a compra dos nossos bilhetes) uma instituição tão interessante como esta que cruza apoio social a jovens desfavorecidos e revitalização da cultura e das tradições locais.


O SALVADOR INTERNACIONAL

Mas para terminar o nosso dia ainda faltava um último momento gourmet, sugerido pelo nosso amigo: um jantar no Pasta em Casa.

Este restaurante do bairro do Rio Vermelho é um dos melhores exemplos de como a gastronomia na Bahia é quase uma religião. Este restaurante é um restaurante italiano especializado em massas. Confessamos que estranhámos a sugestão, mas confiámos e apanhámos o Mark, apanhámos um Uber e encontrámo-nos com o Miguel na porta do restaurante.

Quando entramos percebemos que estamos noutra Salvador: a histórica cidade deu lugar a uma antiga casa familiar que dentro encerra espaços de decoração verdadeiramente moderna e contemporânea. O serviço é de qualidade internacional, a comida de uma qualidade incrível e a sofisticação do ambiente dá-nos a conhecer uma nova Bahia, alinhada com os melhores restaurantes internacionais, e com uma qualidade gastronómica de excepção, quer seja na sua tradição, quer seja na cozinha mundial.

Foi um final de visita a Salvador absolutamente perfeito, que nos deixou ma visão completa e moderna, requintada e de grande qualidade da primeira capital do Brasil, a que hoje, orgulhosamente exibe a sua herança e modernidade, em pé de igualdade e com a mesma qualidade.

Segue-se uma noite bem dormida, porque amanhã a alvorada é matutina e mudaremos de cenário ... mas disso falaremos amanhã. Por agora dizemos "Salve Salvador"!

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