NOS TRILHOS DE VERA CRUZ | EM DIRETO - DIA 7


DESPERTAR PARA A HISTÓRIA

Depois de termos chegado de magrugada, acordamos pela primeira vez num dos hotéis mais charmosos de toda a viagem: o Villa Bahia.

Situado no coração do centro histórico de Salvador, este hotel ocupa dois pequenos prédios, que uniu, e agora são um moderno hotel, decorado com estilo colonial, e com o tema das descobertas portuguesas. Cada quarto tem o nome de um dos destinos onde chegaram os portugueses, os nossos foram o Goa e o Timor.

A beleza da casa, o cuidado com o detalhe na decoração e a eficiência e profissionalismo do serviço, fazem deste o hotel perfeito para esta nossa visita à capital Baiana.


NO CORAÇÃO DA HISTÓRIA

Saídos deste pequeno almoço perfeito, saímos então para o início da nossa visita da cidade de Salvador.

A cor garrida, a riqueza da arquitetura dos edifícios, as inúmeras igrejas e até o empedrado das ruas, fazem deste centro histórico algo muito familiar: estamos no centro de Salvador, que mais parece uma pequena cidade antiga portuguesa, mas com cores fortes e mais verde.

Esta parte da cidade, classificada de património universal pela UNESCO, é uma verdadeira jóia colonial portuguesa. As igrejas, as casas senhoriais, o empedrado das ruas, são verdadeiras obras de uma herança que aqui deixámos, e que orgulhosamente agora os baianos assumem como sua. Foi neste lindíssimo centro histórico contexto que estivemos toda a manhã e que nos deixámos perder e conquistar, pelos encantos da Bahia.




O TERREIRO DE JESUS, A SÉ MODULAR E O LARGO DO PELOURINHO

Foi neste coração português baiano, que visitamos vários dos principais monumentos da cidade, a começar pelo Terreiro de Jesus (a praça central de todo este centro histórico) e a incrível Sé Catedral.

Uma das grandes curiosidades que aqui nos apercebemos é que as igrejas têm formas muito parecidas às de Portugal, mas isto tem uma razão de ser. Nos tempos das descobertas, e da fundação desta que foi a primeira capital do Brasil (e chegou mesmo a ser capital do império, durante as invasões francesas) as igrejas eram fabricadas pedra por pedra em Portugal e transportadas por barco para aqui, onde eram montadas corretamente pelos construtores locais. Isto porque se entendia que a pedra local não era tão boa como a europeia, e assim tudo tem um estilo muito semelhante ao português de Portugal. É o caso da Sé Catedral localizada em pleno Terreiro de Jesus, que foi fabricada em mármore do Alentejo, e assim é muito semelhante à sé de Vila Viçosa (pois foi fabricada pelos mesmos canteiros que esta e na mesma época em que estes estavam a construir a sé local).

No interior as igrejas são incrivelmente ricas. Todas construídas no século XVIII, os altares são todos eles profusamente decorados com uma talha dourada incrivelmente rica e toda a estatuária e pintura tem uma qualidade que impressiona pela riqueza e pela sua qualidade. Mas há outro elemento muito familar nestas igrejas baianas: os painéis de azulejos em estilo português, que estão presentes em todas e que ilustram a chegada os portugueses, a evangelização dos indígenas e a história do santo da ordem religiosa respetiva. Como cada ordem tinha a sua igreja na capital das terras de Vera Cruz, há bastantes igrejas para visitar. Nós escolhemos as mais importantes e maiores: a sé catedral jesuíta, a igreja de Nossa Senhora dos Rosário dos Negros, a Igreja e Mosteiro de São Bento (dos Beneditinos) e a impressionante Igreja de São Francisco (dos Franciscanos).

Mas como se isto não bastasse para nos sentirmos verdadeiramente em casa, temos também o Largo do Pelourinho (símbolo do poder régio distante). Neste já não se consegue vislumbrar um Pelourinho, mas está ainda um sinal da sua existência: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Negros. É que esta era a única igreja que aceitava sepultar os negros que morriam à luz da justiça régia, e cuja sentença era leve o suficiente para lhes permitir um enterro católico. Assim esta igreja ficou marcada por esta característica.

Mas este Largo do Pelourinho é famoso também por outro motivo: o teledisco da música "They Don't Care About Us" de Michael Jackson. Foi neste espetacular cenário que o lendário músico gravou o seu teledisco e celebrizou os tambores baianos. E se todos nos lembramos do teledisco, quem quer que visite este largo revive esses ritmos e essas imagens, pois as cores dos edifícios e a luz são exactamente as mesmas que aparecem neste famoso videoclip.

Deixamos aqui uma dica: em princípio, todos os locais turísticos que visitámos (igrejas neste caso) têm entrada paga, mas quase todos aceitam cartão de crédito para pagar as entradas. Por isso esta visita é muito facilitada e todo o processo de entrada se faz sem filas.


A INCRÍVEL ARTE E O FASCINANTE ARTESANATO BAIANOS

Mas se a Bahia é conhecida mundialmente por algo é pela sua gastronomia e pela sua arte popular. Assim por todo o centro histórico encontram-se restaurantes, cafés e lojas de artesanato e galerias de arte com trabalhos absolutamente incríveis.

Aqui as habituais lojas de souvenirs para turistas, estão substituídas por autênticas lojas com objetos de artesanato verdadeiramente curioso e original, ou por galerias de arte onde os artistas locais (com os seus mais diversos estilos) ilustram as tradicionais cores e imagens baianas. Desde fotografias de pinturas corporais (absolutamente incríveis), a pinturas em estilo baiano de paisagens da cidade ou de mercados (com umas cores eletrizantes), passando por cerâmica, trabalhos em papel, esculturas em ferro, a diversidade das obras é imensamente rica e absolutamente fascinante. Se noutros tempos eram as cangas ou as chinelas que fascinavam, agora são as bonecas baianas e os orixás os reis da atenção.

No meio de tanta loja e galerias a nossa escolha recai na impressionantemente boa Galeria Apoena (em plena esquina do Terreiro de Jesus, com o Terreiro de São Francisco). Este espaço de dois pisos reúne uma incrível coleção de objetos de arte, cuja qualidade impressiona qualquer um e que, depois de darmos uma volta pelas opções disponíveis, podemos afirmar isto com segurança, são únicos e não se encontram em mais loja nenhuma.

Assim, obviamente que não resistimos e ficamos fascinados com alguns dos objetos que encontramos nesta loja. Resistimos a comprar nesta primeira abordagem, mas como fica na esquina da praça do nosso hotel, foi certo e sabido que voltámos lá ao final do dia e perdemos a cabeça em compras de objetos fabulosos de artesanato e arte baiana.

Se Salvador se intitula (e bem) a primeira capital brasileira, pode também intitular-se a capital do artesanato brasileiro!




OS SABORES DA BAÍA NA CASA DE TEREZA

Mas não é só o artesanato que fascina, mas também a riqueza gastronómica da Bahia. Assim é corrente por todo o centro histórico os locais que servem boas muquecas, excelentes acarajés, e outras iguarias.

Uma dessas iguarias (e que nos refrescou a manhã) foi os gelados absolutamente deliciosos da Geladaria Cubana. Situada mesmo no coração da zona histórica, esta antiga casa de gelados tem nos seus sabores tropicais e na forma como trata a sua fruta fresca diariamente, a sua receita do sucesso. De facto estes gelados são uma verdadeira delícia, e são um ponto alto da gastronomia do centro histórico e que não convém mesmo perder ... e nós não perdemos. No entanto, para almoçar, nós preferimos sair do centro e ir até à mais chique zona do Rio Vermelho e à conceituada Casa de Tereza.

Sendo quarta-feira (dia nacional da feijoada) e estando nós na Bahia, e ainda por cima tendo escolhido um dos seus templos gastronómicos para esta primeira refeição, decidimo-nos por pedir uma feijoada baiana para este primeiro almoço em Salvador.

Mas antes de falarmos desta feijoada, convém dedicar um parágrafo ao restaurante Casa de Tereza. Dirigido pela simpática Tereza Paim, este espaço é um encontro entre cultura baiana tradicional, com artistas contemporâneos locais. Assim as obras de arte que povoam este cuidado e requintado espaço, são uma verdadeira galeria de arte, diversa e de grande qualidade, característica e cheia de personalidade baiana.

Mas se o espaço é muito bom, a comida, essa é fantástica. A riqueza da gastronomia baiana aqui adquire um novo patamar de excelência. Os ingredientes são puros e de grande qualidade, as receitas dos pratos servidos são sofisticadas e misturam tradição de sabor com a sofisticação de serviço e de apresentação e os sabores que sentimos ao degustar tais iguarias são inesquecíveis e em sintonia com toda a perfeição que sentimos em tudo neste restaurante. Desde a decoração exímia, ao sorriso aberto do empregado, passando pela palavra simpática da própria chef, que vem à mesa saber se está tudo do agrado dos seus convidados (como nos chama), à perfeição da feijoada servida.

A Casa de Tereza é um espaço lindo e único em toda a cidade de Salvador, que recomendamos vivamente e se torna imprescindível visitar em qualquer passagem pela Bahia de qualquer amante da arte de bem comer.



O MERCADO MODELO E O ELEVADOR DO LACERDA

Depois de uma refeição tardia, mas incrível, e de uma boa conversa com a simpática Chef Tereza Paim, rumamos de novo à zona histórica de Salvador, mas desta vez junto à parte baixa e ao popular Mercado Modelo.

Este mercado oitocentista, foi construído sobre o antigo mercado de escravos de Salvador. Assim este local junto à baía de todos os Santos (que banha a cidade de Salvador, e onde aportavam as caravelas dos descobrimentos) é não só cheio de história, mas tem ainda mais interesse, pois é um dos mercados mais antigos do mundo ainda em funcionamento (tendo começado por ser mercado das mercadorias vindas de Portugal e de escravos que vinham de África, mas actualmente estando dedicado a todo o artesanato e produtos da cultura baiana. Mas aqui os produtos que se encontram são mais populares dos que os encontrados na zona alta. Assim perdemo-nos nos dois andares deste imenso mercado e regateamos, falamos, ficamos a conhecer alguns dos vendedores pelo nome.

Como é o exemplo da simpática e muito afável Aura, que tem umas mantas e umas toalhas de fio e linha únicas no mercado. Como ela diz, ela está ali por causa dos portugueses, pois foi um português que a acolheu em menina, a tratou como uma filha e lhe deu o seu primeiro trabalho no seu restaurante daquele mesmo mercado. E depois foi subindo no restaurante do Sr. Manuel (hoje já com perto de 90 anos e obviamente retirado, mas ainda vivo e que visita regularmente) até conseguir abrir a sua pequena loja que ainda hoje tem. É uma das veteranas do mercado e é uma das que tem melhores produtos de longe. É com ela que passamos mais tempo a conversar, a regatear, a rir e a fazer negócios. Mas foi um prazer mútuo, pois nós ficamos contentes com as compras e ela fica contente com os clientes (e dá-nos um presente final para nos recordarmos dela e daquelas risadas que demos juntos!

Este é o espírito deste Mercado Modelo, que é modelo de boas compras e de pessoas simpáticas, que querem vender, mas que têm grandes histórias para contar e se dão com um sorriso afável e simpático ao turista que por lá passa. Mas seguimos e vamos até ao maior ex-libris da cidade de Salvador: o Elevador do Lacerda.

Este elevador dos anos 1950 liga a cidade velha à zona do antigo porto e, portanto, do Mercado Modelo. A entrada é obviamente paga, e a viagem é muito rápida e prática e essencial, pois por este elevador o caminho entre o porto e o centro histórico é seguro, mas quem for dar a volta para poupar dinheiro e subir a pé, vai passar por uma das maiores armadilhas que o turista pode cair aqui. É que é nas ruas que ligam o antigo porto ao centro histórico que se dão os maiores assaltos a turistas, pois aí os miúdos de rua estão à espera dos turistas para os assaltar e a polícia só está em cima e em baixo da rua (que não é longe, mas é a distância suficiente para os assaltos se darem). Por isso aceitem a nossa recomendação e subam pelo elevador, pois é mais prático e seguro, e a vista que se tem na praça lá em cima do elevador e da baía de todos os santos é absolutamente incrível. Nós tivemos a sorte de conseguirmos estar aqui exactamente em pleno pôr do sol, o que tornou ainda mais mágico todo o cenário.

A propósito desta segurança, aqui em Salvador, a presença da policia militar e da policia turística é constante em todos os locais mais turísticos. Sempre que há uma atração turística perto há polícia militar visível e em grande quantidade. Assim, se esta é uma cidade com alguns problemas de criminalidade, é também certo que nos pontos turísticos, a polícia é garante de segurança. Claro que alguns cuidados são essenciais, como não ir por ruas que parecem mais desertas ou mal iluminadas (principalmente à noite, como nos simpaticamente avisaram uns preocupados transeuntes no caminho a pé entre o elevador e o nosso hotel, quando perceberam que estaríamos a dirigir-nos a ruas menos seguras), ou não andar com grandes valores à mostra (câmaras fotográficas ou jóias ou relógios são os principais problemas), fechar sempre as malas e mochilas e não aceitar presentes dos meninos de rua (nomeadamente as populares fitas de Senhor do Bomfim, pois várias delas estão marcadas para assinalar os turistas mais incautos - os que aceitam os presentes - como os principais alvos a assaltar).

Enfim, tudo isto são truques pequenos e com os quais se convive bem, não tendo nós tido qualquer problema de segurança em Salvador, nem tendo tido qualquer questão ou sensação de insegurança.


NO CUCO COM O MIGUEL

A diáspora portuguesa para o Brasil é grande e então, também aqui em Salvador temos um amigo a viver que nos acompanhou no jantar de hoje - o Miguel.

Português, aqui a trabalhar há já alguns anos, vem ter connosco ao nosso hotel e leva-nos a um dos seus restaurantes favoritos: o Bristrô do Cuco. Situa-se no quarteirão ao lado do nosso hotel e um dos melhores Bóbós de Peixe e Camarão da cidade.

Mas também tem uma das melhores esplanadas do centro, pois está situado entre a catedral e a imponente Igreja de São Francisco, no Terreiro de São Francisco.

Com a noite espetacular que estava, a banda que tocava na praça, as excepcionais iguarias que degustámos, a animada e interessante conversa que tivemos, esta foi uma noite perfeita, que durou bastante e só acabou a altas horas da madrugada.

Foi difícil ir dormir, mas teve de ser, pois o dia seguinte tinha mais um programa apertado e recheado de bons e promissores momentos tipicamente baianos.

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